Panelaço, coxinhas, manifestações e suas contradições

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A miscelânea continua. Conta-se com a presença de celebridades, os saudosistas do período militar, os revoltados contra a corrupção, os exaltados contra o partido do PT, além dos afoitos comentários de caráter malevolente e desrespeitosos à “pessoa” da Presidenta Dilma Roussef e ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.

São compreensíveis as reivindicações e sou consoante para com algumas. São manifestações genuínas, contrárias aos procedimentos adotados pelo atual governo, tendo em vista os diversos escândalos envolvendo membros que compõem a máquina do estado. Falcatruas, roubos, planos de ações inviáveis… quem gosta disso?!

Mas, por outro lado, sinto as contradições discursivas que se apoiam na insatisfação popular: celebridades que se auto promovem com a roupagem “do povo”, quando estão apenas preocupadas em manter o que têm. Os pedidos de intervenção militar, aparentemente esquecidos da realidade de quem viveu ou soube postumamente a respeito dos efeitos da ditadura, onde ninguém teria a possibilidade de se mostrar partidário a qualquer interesse. Dos corruptos membros do PT – a especificidade partidária é salientada devido ao contexto atual e por ser comprobatória – desconsiderando o lençol de corrupção que cobre nosso país desde sua formação – como se em algum momento houvera um partido incorruptível. E aprofundando um pouco mais, na singularidade cotidiana dos “pequenos” atos: na hora de “molhar” as mãos do guarda de trânsito para evitar uma multa, do “passar o pano” para o amigo no trabalho, do desviar da blitz após ter “tomado umas”, “furando” a fila… a lista é grande. E mais absurdo ainda é chamar uma pessoa de “vaca”, de “cachaceiro”, “burro”, entre outros adjetivos torpes, é totalmente incoerente ao discurso de quem pede moralidade na política e não tem atitude cívica e educação básica.

Quando a lei 4.330 (terceirização dos serviços) foi aprovada, não vi uma única celebridade, um único participante que esteve na abertura da Copa do Mundo – mostrando o quanto somos “pobres” ao xingar nossa chefe de Estado, ao invés de agir com maturidade politizada – não vimos nenhum dos grupos como o “vou pra rua”, “revoltados online”, “movimento Brasil livre” e outros mais se manifestarem CONTRA a aprovação desta…
A lista de deputados está cheia de assinaturas do PMDB, PSDB (aos “aecianos” encurralados entre as avalanches de indignações e o maniqueísmo midiático falsamente solidário aos cidadãos mais empobrecidos financeiramente, leiam a lista e vejam os partidos e nomes dos aprovadores dessa lei) e notem que ninguém está preocupado em promover condições favoráveis e possibilidades de ascensão dos menos favorecidos. Essas contravenções são partidárias, têm objetivos controversos ao apoio (e apelo) popular.
Não seja massa de manobra. Pense! Analise! E não se deixe enganar: quem tem, mais quer ter; quem não tem, nem sabe o que é ter.
Precisamos de reforma política e não de colarinhos brancos no poder (como já tivemos).

A ética da cocaína e a barbárie da democracia

Por: Rodrigo Lima

“Representação”, eis a palavra prática no exercício da democracia. É claro que na ordem etimológica, tão citada em artigos acadêmicos, podemos inferir que um sistema democrático é aquele no qual o povo detém o poder máximo. Teoricamente (e hipocritamente) o sistema político brasileiro opera dessa forma, mas a hipocrisia, nesse caso, é saudável: qualquer Estado que opera de acordo com a legitimidade democrática se torna uma máquina a serviço da barbárie. Exemplos nos são abundantes.

O “Estado Democrático de Direito”, epíteto amado pelos doutrinadores jurídicos e operadores do direito, determina a aplicação jurídica e empírica da Democracia. Exemplo disso é o famoso “Ordenamento Jurídico”, tese do grande jurista Hans Kelsen, nos mostra como o povo deve se comunicar com a lei. Segundo o nosso ilustre austríaco, a legislação precisa se organizar de forma piramidal. Assim, existem uma série de leis menores que formam o piso horizontal da pirâmide (as infraconstitucionais), submissas ao resto do ordenamento. A lei máxima (ponto culminante da pirâmide) é a constituição, onde não há leis tão práticas assim, o que existe é mais uma regra moral de funcionamento das instituições, e essa regra moral tem que advir dos valores culturais e éticos da sociedade.

Como por esse poder incorre a perda de legitimidade? Simples, quando o administrador da res publica perde a consciência do seu papel e ignora o que o povo pensa. Os recentes protestos ocorridos no nosso país, do ano passado pra cá, são um exemplo claro do processo de ruptura do Estado Democrático. Sempre que há essa separação, vivemos tempos de grandes revoluções.

Algumas poucas vezes, esse processo não ocorre via tomada abrupta de poder (revolução), mas acontece de forma paulatina, como um parasita se infiltrando no organismo do poder. No segundo exemplo, o sangue é o diálogo e a discriminação é a lei. São raras as exceções, algumas delas podemos ver no documentário: Off the Grid (Fora da Rede); nesse filme, o diretor Alexander Oey viaja por cidades no interior dos Estados Unidos para mostrar o modo de vida de algumas pequenas populações que sofreram grandes danos econômicos no crash de 2008. Muitos grupos chegaram até a criar uma economia paralela com moeda local.

Mas não vou me prender a esse exemplo. Afinal, tudo o que os EUA fazem é bem feito. Prefiro um exemplo latino americano. Fiquei em dúvida entre um brasileiro e um colombiano, Canudos e Medellín, respectivamente. Optei pelo colombiano, porque também podemos discutir uma questão ética: a pena de morte.

No final dos anos 80, emergira em Medellín o maior narcotraficante da história: Pablo Escobar. Com um patrimônio pessoal bilionário, não se sabe ao certo o valor de mercado, a revista Forbes o listou como o sétimo homem mais rico do mundo. Pablo não tinha apenas dinheiro, tinha influência e apoio político, não o apoio dos políticos, mas apoio do povo que o elegeu para o congresso da Colômbia. Escobar construiu uma sociedade paralela, supriu demandas que o Estado jamais fora capaz: construiu casas populares, escolas, hospitais, milícias de segurança e até campos de futebol. Eu diria que ele praticou o crime de lavagem de moral, ou lavagem de cocaína. El patrón del mal, como era chamado, se tornou um verdadeiro representante, um líder, no final: um mártir. Sua personalidade foi cultuada, seu funeral lotou as ruas de Medellín.

Pablo Escobar definitivamente estruturou um Estado paralelo, mas como um parasita, e sua economia emergiu com base na exportação de toneladas de cocaína para a Europa e a América no Norte, controlando 80% do tráfico mundial.

Seu poder não era “institucional”, mas afinal, o que é “legitimo”, “institucional” , “legal”? Será que é colocar a bunda gorda na cadeira do poder e usar terno e gravata? Só pode ser isso, pois duvido que algum governante da América Latina, hoje, seja tão legítimo quanto Pablo foi. Muita gente o condena dizendo que ele foi cruel e matou muitas pessoas. Mas é isso mesmo: se você tem um poder estatal, é necessário criar leis e fazê-las funcionar. Foi assim que o Cartel de Medellín operou, essa é a ética do crime organizado, uma ética quase sempre inexorável.

Não quero denegar os crimes que foram praticados contra os “human rights”, mas os próprios defensores dos “human rights”, praticam a pena de morte, mantém presos sob regime de tortura em Guantánamo, e são coniventes com a barbárie que é praticada no Oriente Médio, na África e em países da Ásia, afinal, há interesses econômicos em jogo, “apedrejar mulheres é uma questão cultural”. Dá pra entender por que falo que a democracia, no rigor da palavra, é uma máquina a serviço da barbárie?

 A pergunta final é: o que é um governo legítimo? Ainda acho que é aquele que têm mais força militar, porque, a democracia é falha: nunca a alcançamos na sua real condição (como em Pablo Escobar), mas se chegamos perto, mostramos o que há de mais cruel no ser humano potencializado à grupo.

 


Texto original publicado no blog Ensaios do peido à bomba atômica