Preto, pobre, mulher, gay e artista: afinal. Quem pode ter opinião própria?

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Vamos evocar aqui uma figura controversa. Carismática, mas, quase sempre, inconveniente. Adora cuidar da vida, mas não da própria. Adora por defeito nos outros para poder justificar os próprios. Uma mistura de juiz e repórter investigativo. Olhar por cima do muro, pelas frestas do portão. Assim, chega ao seu veredito e manda a reputação, de quem quer que seja o réu, direto para a prisão: uma caixinha, rotulada, que essa figura propagandeia aos quatro ventos mas que esconde por trás das costas, e de um sorriso amarelo, quando cruza por aí com o infeliz condenado, que sorri de volta e nem imagina que, por trás, já foi apunhalado. Cagueta, Zé povinho, língua de trapo, Fifi, leva e traz… não faltam alcunhas para essa figura que é, mais frequentemente (e carinhosamente), apelidada de vizinho fofoqueiro.

Nesses tempos de vizinhança globalizada, as fronteiras da nossa querida personagem se agigantaram: agora você tem vizinhos fofoqueiros que moram a 100, 200, 1000 km de distância. As vezes podem nem falar a sua língua. Não é raro ele nunca ter te visto pessoalmente. Mas estão sempre prontos para te colocar nas tais caixinhas.

As janelas desse vizinho moderno, conectado, se chamam gadget. Dessa janela, o vizinho vê muitas ruas: Instagram, Facebook… os mais assanhados estão de olho na rua Badoo, Xvideos e outras similares no mesmo quarteirão.

E a moral desse vizinho? Outrora conservador – com o perdão aos conservadores, pelo esvaziamento do termo -, hoje ele é progressista. E já não é mais o tiozinho ou a tiazinha aposentada, que entre uma novela e outra se debruçam nos muros alheios atrás de um “F5”. Hoje ele é muito mais plural. Pode ser jovem, pode estudar numa federal e pode ter ido à última manifestação Lula Liv… haham, “pela educação”. E ai de você que não foi. Já tem sua caixinha (de fascista) reservada.

Aliás, fascista é a caixinha preferida desse vizinho fofoqueiro – que também pode ser chamado de vizinho patrulheiro. É a caixa que ele mais usa e a que ele menos sabe explicar o que significa. Na ausência de uma caixinha personalizada, a de fascista serve. É bem parecida com o carregador universal que o vizinho usa para carregar a bateria de todos os seus gadgets. É uma caixinha genérica, quase que um “pretinho básico”: cai bem na maioria dos casos.

Por exemplo. Quando o negro não concorda com as pautas do movimento negro, o vizinho já tem uma caixinha para ele. Normalmente, a caixinha de Capitãozinho do mato serve perfeitamente (veja aqui). Milimetricamente sulcada para caber a reputação de qualquer negro que ouse pensar por si próprio e que fuja da sua senzala ideológica.

O pobre também costuma ter sua caixinha especial com o rótulo de Pobre de direita (veja aqui). Se as mulheres não se posicionam da devida maneira, elas são logo cobradas. Onde já se viu, mulher escolher não falar o que o vizinho patrulheiro quer que ela fale (veja aqui)? Os gays também sofrem represálias se não forem de esquerda (veja aqui). Mas, se essas minorias não tem suas próprias caixinhas, serve o pretinho básico mesmo. Fascista.

Homens, normalmente, se encaixam perfeitamente na caixinha de estupradores (veja aqui). Aquela velha história de patriarcado, de cultura do estupro e blablabla.

Vizinhos patrulheiros de toda a lacrosfera, uni-vos! Uni-vos contra todas as pessoas que querem expressar o indivíduo que são e seguir as próprias aspirações e crenças. Vamos persegui-los, se for preciso, até os confins da internet, até a última sequência de zeros e uns que restar!

Brincadeiras à parte – mas com fundo de verdade -, não sou uma pessoa que vê a ideia de classes conectada com a realidade de modo que ela possa servir como perspectiva de análise para enxergar o mundo e seus problemas. Pessoas se juntam por interesses comuns e sim, se autodenominam pertencentes a grupos. Isso é perfeitamente normal. Mas quando a decisão é em grupo, é uma coincidência, e não uma regra. Esse é o ponto. A ideia de que as decisões de uma classe valha para todos e SEMPRE é justamente a ideia que justifica a cobrança quando alguém dessa classe destoar.  É óbvio que não se pode concordar com tudo. Somos indivíduos, cada qual com suas idiossincrasias. O estranho é, justamente, concordar bovinamente.

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A bateria tava quase acabando! hahaha

A inspiração para este texto surgiu, justamente, da mentalidade preconceituosa do esquerdismo. Em uma postagem no Instagram de Jair Bolsonaro, uma discussão se acalorou. Uma pessoa – não é da minha conduta revelar identidades nessa situação – que também participava da discussão, resolveu patrulhar a vida dos vizinhos, viu que me autodenominava artista e chegou à conclusão de que ser artista e votar em Bolsonaro é um contra-senso. Óbvio, assim como pobres, pretos, mulheres e gays, artistas também não podem ter sua própria opinião. Opinião quem tem são as classes, não os indivíduos. Conseguem perceber o grande mal que é esse tipo de ideia? Mais uma vez, o vizinho e as suas caixinhas.

Apesar de não ter votado – acredito que onde o estado não se mete, é onde as soluções aparecem -, realmente chego a quase me arrepender de não ter votado. Imagina a esquerda no poder de novo? Antes o menos pior do que a completa tragédia.

Apesar de militância esquerdista conseguir distorcer o sentido de muitas palavras – brinco com isso com a minha página no instagram @enciclopediabarsoca (veja aqui) – por enquanto, ainda não conseguiu dominar a semântica. Se um dia isso vir a acontecer, ser artista vai significar seguir a cartilha progressista. Esse vai ser o dia que, voluntariamente, deixarei de me definir como artista. Até lá, artistas, pretos, mulheres e gays: libertem-se – enquanto podem!

Portanto, vizinhos patrulheiros, fica a pergunta que não cala: pela liberdade de que minoria vocês lutam mesmo? Quem pode ter opinião própria?

Os quase 30 e a máquina do tempo

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Foto por Giallo em Pexels.com

Amigos leitores. Já faz muito tempo desde que escrevi o último texto, tirei a última foto ou escrevi o último roteiro de tirinha que publiquei aqui no Interferência Urbana. Muitas amizades foram feitas no tempo em que publicamos aqui e hoje consigo ver que o que fizemos à época teve a sua importância e o seu valor. E esse valor continua sendo reconhecido. O blog continuou mantendo o mesmo nível de acesso mesmo depois de anos sem publicar nada. O que me faz pensar que se tivéssemos continuado, provavelmente atingiríamos uma boa relevância.

Confesso a vocês que esse texto está sendo escrito nessa madrugada de quarta para quinta-feira, no dia 30 de maio de 2019, num misto de nostalgia e “auto-vergonha”. Já se pegaram com a sensação de vergonha de coisas que você fez? Pois é, me senti um pouco com vergonha do meu eu da época que escrevia aqui. Da maneira como eu escrevia, por exemplo. Hoje, lendo a mim mesmo, percebo que as vezes era penoso conseguir achar a melhor maneira de dizer o que eu queria. Não tinha lá as melhores habilidades retóricas/textuais/argumentativas – e, convenhamos, continuo não tendo. Mas não somente a maneira de dizer. Muito do que eu dizia eu já não concordo mais hoje. Esses anos de hiato aqui (pretendo voltar a escrever) me fizeram passar por uma brutal mudança de visão de mundo e quero falar um pouquinho sobre isso.

Em 2013, quando comecei o Interferência Urbana com alguns amigos, eu tinha 23 anos e era um recém-formado bacharel em Comunicação Social, trabalhava diagramando, revisando texto, fazendo fotos, artes e até algumas reportagens para o Diário Oficial de Barueri e era um militante de esquerda de um coletivo chamado OCA (Osasco Contra o Aumento) que lutou para revogar o aumento do preço das passagens de ônibus aqui na minha cidade e teve o seu ápice no histórico Junho de 2013, quando as passagens foram, enfim, abaixadas em Osasco, São Paulo e em outras cidades. Quem não se lembra do jargão “Não são só 20 centavos”?

Hoje, tenho 29 anos, sou estudante de música, trabalho com música também, já não trabalho mais no jornal há pelo menos 5 anos e já não compactuo com a minha visão política de 6 anos atrás. O Denis de hoje mudou completamente de lado na visão política e o ano de 2013 foi, na verdade, o começo dessa mudança.

Na época de militante do OCA, promovíamos protestos, invadíamos a câmara dos vereadores, panfletávamos, participávamos de reuniões e articulávamos os nossos atos na sombra dos atos do MPL (Movimento Passe Livre), coletivo do qual participávamos dos protestos e mantínhamos algum contato (nada muito aprofundado). Levamos muita bomba da polícia e respiramos muito spray de pimenta nessa época. Não sinto a menor falta disso, confesso.

Éramos um coletivo apartidário. Ninguém que fundou o coletivo tinha aspirações políticas. Lembro-me que nos primeiros protestos, levávamos 20, 30 pessoas para a rua quando era muito. Mas ao longo do ano de 2013, os protestos do MPL em São Paulo, a repressão policial aos manifestantes violentos e a veiculação de uma verdadeira guerra urbana na grande mídia fez com que, aqui em Osasco, o nosso coletivo começasse a levar cada vez mais gente para as ruas e a chamar atenção da cena política. Vereadores começavam a abrir os seus gabinetes para nos receber e alguns até sinalizavam positivamente, prestando algum suporte. A militância esquerdista começava a salivar de interesse pela liderança do nosso coletivo justamente essa época.

Muitas pessoas filiadas a partidos políticos começaram a xeretar as nossas reuniões e a participar dos nossos atos. Jovens do PCdoB, PT e PSOL eram figuras assíduas nessas situações e era muito claro o interesse dessas pessoas em ganhar capital político em cima da popularidade que a nossa pauta ia progressivamente ganhando. Muitas dessas pessoas pretendiam se candidatar.

Dentro do movimento, havia divergência sobre a participação desses militantes filiados a partidos. Alguns não se importavam que eles participassem das decisões do coletivo. Eu era um dos que não gostava e procurava confrontá-los sempre que possível. Isso gerou um clima de rivalidade dentro do movimento, que já era prenúncio de golpes que viriam na sequência.

Muitos desses militantes filiados acabaram se passando por líderes do nosso coletivo quando perguntados pela imprensa local. No dia do protesto final, um desses militantes se passou por líder do coletivo para ir apertar a mão do prefeito quando esse decidiu decretar a revogação do preço da passagem. O coletivo sofreu um golpe político e eu sofri um golpe ideológico.

Até então, eu acreditava que o homem de esquerda deveria ser aquele capaz de colocar o coletivo acima do indivíduo. Anos mais tarde eu entendi, finalmente, que isso era impossível e que se colocar, como indivíduo, acima do coletivo, era completamente normal. Belo e moral. Mas foi ver a atitude desse homem de esquerda, na prática, que começou a me transformar.

Mesmo quando eu era de esquerda, detestava o PT, Lula e seus cupinchas. Aqui no Interferência Urbana chegamos a produzir tirinhas criticando essas figuras. Mas em 2014, acabei votando na Dilma Rousseff por falta de opção. Voto que me arrependi amargamente de ter dado e não é preciso entrar em detalhes para entender o porquê do arrependimento. Meu esquerdismo começava a ficar bastante abalado e eu estava começando a dar ouvido para ideias que vinham do outro lado.

Nessa época, um dos youtubers que mais fazia sucesso falando de política era o jornalista Dâniel Fraga. Uma figura extremamente combativa que pude conhecer pessoalmente em uma manifestação na Avenida Paulista. Cheguei até a dar entrevista para o sujeito, cujo trecho fez parte de algum vídeo que ele compilou de momentos dessa manifestação. Eu não concordava com muita coisa do que ele dizia, particularmente pela visão de mundo que ele começava a desenvolver: o tal do Anarcocapitalismo.

Nunca gostei da ideia de Estado. Quando eu era de esquerda, sempre tive tendências anarquistas, por achar que o comunismo era um processo muito lento e que eu não tinha tempo hábil de vida para mudanças graduais. Queria liberdade pra ontem e o Estado sempre foi um enxerido querendo cagar regra na vida das pessoas. Nisso acho que eu e o Fraga sempre concordamos, mas eu achava que a ideia de capitalismo e anarquia eram completamente incompatíveis por pertencerem a dois opostos no espectro político. Achava engraçado o termo Anarcocapitalismo.

“Imposto é roubo”. Tá aí uma frase que acho que ninguém é capaz de se colocar contra. Há alguns meses atrás, fiz um post no Facebook oferecendo R$ 1000,00 para quem conseguisse me convencer que imposto não é roubo. Assim como eu não conseguia contra-argumentar isso quando o Fraga dizia, ninguém ganhou os meus R$ 1000,00 oferecidos até hoje. Se você quiser tentar ganhar essa grana, clique aqui e procure o post. Boa sorte!

Quanto mais o tempo passava, mais eu ia me decepcionando com a esquerda e mais eu ia vendo o quanto o discurso do Fraga fazia sentido, o quanto o Estado era incapaz de prover serviços de qualidade e de gastar o dinheiro dos impostos de maneira minimamente eficiente. Fazendo vídeos altamente críticos e sem o menor pudor, Dâniel Fraga começou a incomodar os agentes do Estado e sofreu retaliações por meio de processos judiciais. Em alguns ele foi absolvido, em outros, condenado. Mas no final das contas, ele não pagou nenhuma multa que foi condenado a pagar. O Estado também não conseguiu penhorar nenhum bem do Fraga porque toda a riqueza que ele tinha estava em um lugar onde o Estado não tem controle: uma carteira de Bitcoin, fato que provavelmente fez o Fraga enriquecer muito, porque ele foi um entusiasta da mais popular criptomoeda do mundo mesmo antes do seu valor explodir e se multiplicar muitas vezes.

A verdade é que o Dâniel Fraga me convenceu de suas posições e, pouco tempo depois, sumiu sem deixar rastros. Hoje, o ex-youtuber é tido como uma lenda na comunidade Anarcocapitalista. Comunidade essa que ele influenciou em muito no crescimento e que hoje tem uma representatividade relevante, principalmente entre os jovens.

Depois disso, ainda levei um tempo para digerir muitas das discussões que rolam no meio Anarcocapitalista/Libertário. Uma nova literatura se abriu e novas discussões filosóficas me foram apresentadas. Autores como Mises, Rothbard, Ayn Rand, Rayek, Hans-Hermann Hoppe e David Friedman versam sobre ética, praxeologia, epistemologia e muitas outras áreas dentro do direito, economia e da filosofia. O velho Denis esquerdista tinha mesmo ficado para trás.

Na madrugada de hoje, o Inteferência Urbana se transformou numa espécie de máquina do tempo onde pude reencontrar esse velho Denis de quem hoje tenho vergonha de ver como se expressava e que ideias cozinhava na cachola. Mas começo a ter orgulho dele por ter tido coragem de viver e de expandir os seus horizontes para estar aqui hoje, e de ter visto muitas pessoas lhe virarem as costas por ter tido coragem de mudar e de assumir as suas mudanças. Não pretendo apagar nada que eu tenha feito nem mudar nenhuma linha sequer que eu tenha escrito. Sou experiência viva, uma experiência aberta para qualquer um que se interesse em consultá-la. Talvez, amanhã, eu volte aqui tendo vergonha do eu de hoje, e tudo bem. Essa é a sensação de alguém que foi a frente e reconhece que algo melhorou com o passar dos anos.

Pretendo voltar a escrever aqui para o Interferência Urbana e pretendo começar um canal no Youtube. Não vou contar nada agora, mas pretendo fazer o blog e o canal funcionarem em conjunto. Então, fique ligado e… envelheçamos!

Panelaço, coxinhas, manifestações e suas contradições

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A miscelânea continua. Conta-se com a presença de celebridades, os saudosistas do período militar, os revoltados contra a corrupção, os exaltados contra o partido do PT, além dos afoitos comentários de caráter malevolente e desrespeitosos à “pessoa” da Presidenta Dilma Roussef e ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.

São compreensíveis as reivindicações e sou consoante para com algumas. São manifestações genuínas, contrárias aos procedimentos adotados pelo atual governo, tendo em vista os diversos escândalos envolvendo membros que compõem a máquina do estado. Falcatruas, roubos, planos de ações inviáveis… quem gosta disso?!

Mas, por outro lado, sinto as contradições discursivas que se apoiam na insatisfação popular: celebridades que se auto promovem com a roupagem “do povo”, quando estão apenas preocupadas em manter o que têm. Os pedidos de intervenção militar, aparentemente esquecidos da realidade de quem viveu ou soube postumamente a respeito dos efeitos da ditadura, onde ninguém teria a possibilidade de se mostrar partidário a qualquer interesse. Dos corruptos membros do PT – a especificidade partidária é salientada devido ao contexto atual e por ser comprobatória – desconsiderando o lençol de corrupção que cobre nosso país desde sua formação – como se em algum momento houvera um partido incorruptível. E aprofundando um pouco mais, na singularidade cotidiana dos “pequenos” atos: na hora de “molhar” as mãos do guarda de trânsito para evitar uma multa, do “passar o pano” para o amigo no trabalho, do desviar da blitz após ter “tomado umas”, “furando” a fila… a lista é grande. E mais absurdo ainda é chamar uma pessoa de “vaca”, de “cachaceiro”, “burro”, entre outros adjetivos torpes, é totalmente incoerente ao discurso de quem pede moralidade na política e não tem atitude cívica e educação básica.

Quando a lei 4.330 (terceirização dos serviços) foi aprovada, não vi uma única celebridade, um único participante que esteve na abertura da Copa do Mundo – mostrando o quanto somos “pobres” ao xingar nossa chefe de Estado, ao invés de agir com maturidade politizada – não vimos nenhum dos grupos como o “vou pra rua”, “revoltados online”, “movimento Brasil livre” e outros mais se manifestarem CONTRA a aprovação desta…
A lista de deputados está cheia de assinaturas do PMDB, PSDB (aos “aecianos” encurralados entre as avalanches de indignações e o maniqueísmo midiático falsamente solidário aos cidadãos mais empobrecidos financeiramente, leiam a lista e vejam os partidos e nomes dos aprovadores dessa lei) e notem que ninguém está preocupado em promover condições favoráveis e possibilidades de ascensão dos menos favorecidos. Essas contravenções são partidárias, têm objetivos controversos ao apoio (e apelo) popular.
Não seja massa de manobra. Pense! Analise! E não se deixe enganar: quem tem, mais quer ter; quem não tem, nem sabe o que é ter.
Precisamos de reforma política e não de colarinhos brancos no poder (como já tivemos).

Terceirização da Câmara dos Deputados! Aprovado!

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A terceirização garante mão de obra especializada, custo baixo, responsabilidade indireta, entre outros benefícios, como maior abertura para disputa de prestação de serviço. Perfeito, não é?!

Então, vamos pedir a promulgação de uma nova lei que terceirize a Câmara dos Deputados e com isso garantiremos: especialistas na criação de leis, com objetivo de alcançar resultados que sejam benéficos para o bem da sociedade, salários baixos que contribuirão na redução da despesa orçamentária do Estado (considerando a crise financeira que estamos passando), maior dedicação e força de trabalho no desenvolvimento e criação de leis, e uma concorrência acirrada dos interessados em prestar serviço à sociedade, ganhado pouco e trabalhando muito. Com isso, o preconceito existente entre as classes trabalhadoras deixa de existir, pois todos lutam arduamente em busca de um bem maior, sendo útil e prestando um excelente serviço (especializado)… Se algo der errado, a responsabilidade é indireta, não precisa ter preocupação, há respaldo jurídico, ninguém será condenado injustamente. É lindíssimo!

Além, claro, que se houver algum protesto contra essa terceirização, a polícia estará preparada para inibir qualquer movimento contrário a esse bem social, a essa perspicácia evolutiva das leis trabalhistas, de forma efetiva e contundente, típica do militarismo, que alguns saudosistas sentem tanta ausência nesse período desorientado que vivemos. Ordem e progresso! Viva o positivismo! Viva a evolução! Os Excelentíssimos Deputados aprovam! #sqn.

A ética da cocaína e a barbárie da democracia

Por: Rodrigo Lima

“Representação”, eis a palavra prática no exercício da democracia. É claro que na ordem etimológica, tão citada em artigos acadêmicos, podemos inferir que um sistema democrático é aquele no qual o povo detém o poder máximo. Teoricamente (e hipocritamente) o sistema político brasileiro opera dessa forma, mas a hipocrisia, nesse caso, é saudável: qualquer Estado que opera de acordo com a legitimidade democrática se torna uma máquina a serviço da barbárie. Exemplos nos são abundantes.

O “Estado Democrático de Direito”, epíteto amado pelos doutrinadores jurídicos e operadores do direito, determina a aplicação jurídica e empírica da Democracia. Exemplo disso é o famoso “Ordenamento Jurídico”, tese do grande jurista Hans Kelsen, nos mostra como o povo deve se comunicar com a lei. Segundo o nosso ilustre austríaco, a legislação precisa se organizar de forma piramidal. Assim, existem uma série de leis menores que formam o piso horizontal da pirâmide (as infraconstitucionais), submissas ao resto do ordenamento. A lei máxima (ponto culminante da pirâmide) é a constituição, onde não há leis tão práticas assim, o que existe é mais uma regra moral de funcionamento das instituições, e essa regra moral tem que advir dos valores culturais e éticos da sociedade.

Como por esse poder incorre a perda de legitimidade? Simples, quando o administrador da res publica perde a consciência do seu papel e ignora o que o povo pensa. Os recentes protestos ocorridos no nosso país, do ano passado pra cá, são um exemplo claro do processo de ruptura do Estado Democrático. Sempre que há essa separação, vivemos tempos de grandes revoluções.

Algumas poucas vezes, esse processo não ocorre via tomada abrupta de poder (revolução), mas acontece de forma paulatina, como um parasita se infiltrando no organismo do poder. No segundo exemplo, o sangue é o diálogo e a discriminação é a lei. São raras as exceções, algumas delas podemos ver no documentário: Off the Grid (Fora da Rede); nesse filme, o diretor Alexander Oey viaja por cidades no interior dos Estados Unidos para mostrar o modo de vida de algumas pequenas populações que sofreram grandes danos econômicos no crash de 2008. Muitos grupos chegaram até a criar uma economia paralela com moeda local.

Mas não vou me prender a esse exemplo. Afinal, tudo o que os EUA fazem é bem feito. Prefiro um exemplo latino americano. Fiquei em dúvida entre um brasileiro e um colombiano, Canudos e Medellín, respectivamente. Optei pelo colombiano, porque também podemos discutir uma questão ética: a pena de morte.

No final dos anos 80, emergira em Medellín o maior narcotraficante da história: Pablo Escobar. Com um patrimônio pessoal bilionário, não se sabe ao certo o valor de mercado, a revista Forbes o listou como o sétimo homem mais rico do mundo. Pablo não tinha apenas dinheiro, tinha influência e apoio político, não o apoio dos políticos, mas apoio do povo que o elegeu para o congresso da Colômbia. Escobar construiu uma sociedade paralela, supriu demandas que o Estado jamais fora capaz: construiu casas populares, escolas, hospitais, milícias de segurança e até campos de futebol. Eu diria que ele praticou o crime de lavagem de moral, ou lavagem de cocaína. El patrón del mal, como era chamado, se tornou um verdadeiro representante, um líder, no final: um mártir. Sua personalidade foi cultuada, seu funeral lotou as ruas de Medellín.

Pablo Escobar definitivamente estruturou um Estado paralelo, mas como um parasita, e sua economia emergiu com base na exportação de toneladas de cocaína para a Europa e a América no Norte, controlando 80% do tráfico mundial.

Seu poder não era “institucional”, mas afinal, o que é “legitimo”, “institucional” , “legal”? Será que é colocar a bunda gorda na cadeira do poder e usar terno e gravata? Só pode ser isso, pois duvido que algum governante da América Latina, hoje, seja tão legítimo quanto Pablo foi. Muita gente o condena dizendo que ele foi cruel e matou muitas pessoas. Mas é isso mesmo: se você tem um poder estatal, é necessário criar leis e fazê-las funcionar. Foi assim que o Cartel de Medellín operou, essa é a ética do crime organizado, uma ética quase sempre inexorável.

Não quero denegar os crimes que foram praticados contra os “human rights”, mas os próprios defensores dos “human rights”, praticam a pena de morte, mantém presos sob regime de tortura em Guantánamo, e são coniventes com a barbárie que é praticada no Oriente Médio, na África e em países da Ásia, afinal, há interesses econômicos em jogo, “apedrejar mulheres é uma questão cultural”. Dá pra entender por que falo que a democracia, no rigor da palavra, é uma máquina a serviço da barbárie?

 A pergunta final é: o que é um governo legítimo? Ainda acho que é aquele que têm mais força militar, porque, a democracia é falha: nunca a alcançamos na sua real condição (como em Pablo Escobar), mas se chegamos perto, mostramos o que há de mais cruel no ser humano potencializado à grupo.

 


Texto original publicado no blog Ensaios do peido à bomba atômica

Família real inglesa, monopólio e o golpe de estado dos hambúrgueres

Vi uma matéria na TV esses dias dizendo que tomar vinho e comer chocolate amargo faz bem pra evitar o tipo mais comum de diabetes. Assim como todas essas notícias que envolvem gastronomia e prevenção de doenças, sempre fico na dúvida: será que essas pesquisas e notícias correspondem com a realidade ou são forjadas pra vender mais os produtos recomendados? Como confiar numa realidade onde existe histeria pelo lucro?

E quem poderia nos assegurar? Consideremos alguns fatos que ajudam a piorar a situação. Protocolo de Kyoto: o governo dos EUA se recusou a assinar. Algumas outras reuniões foram feitas para tratar da questão ambiental, como a Convenção do Clima de Copenhague. Mas a única ideia que o governo dos EUA aceitou pra reduzir a emissão de poluentes é uma tal de “cota de carbono”, que de sustentável não tem absolutamente nada.

Isso, muitas vezes me levou a conclusão de que o governo dos EUA é muito filho da puta. Hoje, me leva a uma questão: porque o estado existe? Seja na emissão de carbono, nas guerras, nas crises, etc. O estado não tem a mínima autonomia pra decidir por si próprio. Por mais filho da puta que pareça ser o governo de um país, poluir o mundo e matar milhões de pessoas em guerras não é pra dar prazer aos chefes de estado. É pra atender ao mercado. É pra atender aos interesses do setor privado.

Imagino como o governo dos EUA sofreu pressão de lobistas pra não aceitar, de maneira alguma, reduzir a emissão de gases tóxicos. Muitas empresas teriam que buscar outros métodos para produzir por conta da energia usada e dos subprodutos serem os grandes vilões da questão ambiental. Isso geraria queda na produção, queda nos lucros, enxugamento de receitas ou até falências.

Acha mesmo que não existem fontes de energia limpa que poderiam substituir o petróleo e os combustíveis fósseis? Acontece que a indústria do petróleo é poderosíssima e mesmo que o estado queira, não pode passar por cima dos interesses de uma indústria tão forte e que gera tanto lucro, emprego e receita para o próprio estado. Seria um tiro no pé da economia. E quem paga por tudo isso? O cidadão. Impostos, consumo de produtos feitos do petróleo e depois ainda paga o médico pra tratar das doenças causadas por esses produtos.
Agora no cenário brasileiro, em São Paulo. Porque você acha que poderia ser interessante para o setor privado que não fossem ampliadas as linhas de trens e metrôs em São Paulo? Porque a indústria automobilística, uma das mais fortes do país, sairia perdendo, certamente.

Por tudo isso, a pergunta retorna. Pra que existe o estado? Tenho a sensação de que o estado tem a mesma utilidade da família real britânica: gastar dinheiro público pra nada. Não que eu seja anarquista ou anarco-capitalista. Mas realmente é um grande teatro de fantoches sustentados por nós, cidadãos, e controlados pelo setor privado.

Imagino que seja interessante manter o estado por dois motivos. Primeiro: pra existir uma crença no poder do povo de decidir alguma coisa por meios legais e democráticos. Isso mantém os ânimos calmos. Segundo: se o estado não existe, a culpa toda dos problemas sociais se volta para o setor privado, que vai ter que responder por tudo. Não haverá como fazer do estado o “laranja” que é hoje.

O que mais impressiona é que poucos percebem ou se preocupam com isso. O estado, que é uma instituição que deveria servir aos interesses do povo, serve descaradamente ao mercado. Pra mim, um estado que não tem autonomia na sua função, que é servir ao povo, é um estado morto.

Imagine se fosse proposta a extinção do estado? No Brasil seria uma decisão difícil. Significaria, por exemplo, acabar com os políticos e isso seria um ótimo motivo para dizimá-lo. Mas também esbarraríamos numa questão cultural/emocional: ter um estado significa ter uma nação. Por isso chamamos o estado de “União”, porque, instituído, é o que unifica povos e regiões em um país. Acabar com o estado seria engavetar o Brasil num arquivo da história do mundo.

Fico imaginando se não houvesse estado. Mundialmente falando. Imagine uma copa do mundo num regime neo-liberal sem intervenções. Teríamos um único jogo entre a seleção da Coca-Cola e seleção do McDonald’s. Sem o estado, estaríamos livres das políticas antimonopólio (Petrobrás não me deixa mentir) que tentam garantir uma competição justa de mercado. Assim, as empresas se engoliriam até sobrar só as duas. Eureca! Acabo de achar uma função para o estado! Evitar que sejamos escravos da economia do fast-food!

Se bem que, com esses índices de obesidade, pode ser que o golpe de estado dos hambúrgueres e refrigerantes já esteja encaminhado. Ah… mas antes gordo que rato de academia que posta a progressão do treino no facebook. Vamos comer!