Amigos leitores. Já faz muito tempo desde que escrevi o último texto, tirei a última foto ou escrevi o último roteiro de tirinha que publiquei aqui no Interferência Urbana. Muitas amizades foram feitas no tempo em que publicamos aqui e hoje consigo ver que o que fizemos à época teve a sua importância e o seu valor. E esse valor continua sendo reconhecido. O blog continuou mantendo o mesmo nível de acesso mesmo depois de anos sem publicar nada. O que me faz pensar que se tivéssemos continuado, provavelmente atingiríamos uma boa relevância.
Confesso a vocês que esse texto está sendo escrito nessa madrugada de quarta para quinta-feira, no dia 30 de maio de 2019, num misto de nostalgia e “auto-vergonha”. Já se pegaram com a sensação de vergonha de coisas que você fez? Pois é, me senti um pouco com vergonha do meu eu da época que escrevia aqui. Da maneira como eu escrevia, por exemplo. Hoje, lendo a mim mesmo, percebo que as vezes era penoso conseguir achar a melhor maneira de dizer o que eu queria. Não tinha lá as melhores habilidades retóricas/textuais/argumentativas – e, convenhamos, continuo não tendo. Mas não somente a maneira de dizer. Muito do que eu dizia eu já não concordo mais hoje. Esses anos de hiato aqui (pretendo voltar a escrever) me fizeram passar por uma brutal mudança de visão de mundo e quero falar um pouquinho sobre isso.
Em 2013, quando comecei o Interferência Urbana com alguns amigos, eu tinha 23 anos e era um recém-formado bacharel em Comunicação Social, trabalhava diagramando, revisando texto, fazendo fotos, artes e até algumas reportagens para o Diário Oficial de Barueri e era um militante de esquerda de um coletivo chamado OCA (Osasco Contra o Aumento) que lutou para revogar o aumento do preço das passagens de ônibus aqui na minha cidade e teve o seu ápice no histórico Junho de 2013, quando as passagens foram, enfim, abaixadas em Osasco, São Paulo e em outras cidades. Quem não se lembra do jargão “Não são só 20 centavos”?
Hoje, tenho 29 anos, sou estudante de música, trabalho com música também, já não trabalho mais no jornal há pelo menos 5 anos e já não compactuo com a minha visão política de 6 anos atrás. O Denis de hoje mudou completamente de lado na visão política e o ano de 2013 foi, na verdade, o começo dessa mudança.
Na época de militante do OCA, promovíamos protestos, invadíamos a câmara dos vereadores, panfletávamos, participávamos de reuniões e articulávamos os nossos atos na sombra dos atos do MPL (Movimento Passe Livre), coletivo do qual participávamos dos protestos e mantínhamos algum contato (nada muito aprofundado). Levamos muita bomba da polícia e respiramos muito spray de pimenta nessa época. Não sinto a menor falta disso, confesso.
Éramos um coletivo apartidário. Ninguém que fundou o coletivo tinha aspirações políticas. Lembro-me que nos primeiros protestos, levávamos 20, 30 pessoas para a rua quando era muito. Mas ao longo do ano de 2013, os protestos do MPL em São Paulo, a repressão policial aos manifestantes violentos e a veiculação de uma verdadeira guerra urbana na grande mídia fez com que, aqui em Osasco, o nosso coletivo começasse a levar cada vez mais gente para as ruas e a chamar atenção da cena política. Vereadores começavam a abrir os seus gabinetes para nos receber e alguns até sinalizavam positivamente, prestando algum suporte. A militância esquerdista começava a salivar de interesse pela liderança do nosso coletivo justamente essa época.
Muitas pessoas filiadas a partidos políticos começaram a xeretar as nossas reuniões e a participar dos nossos atos. Jovens do PCdoB, PT e PSOL eram figuras assíduas nessas situações e era muito claro o interesse dessas pessoas em ganhar capital político em cima da popularidade que a nossa pauta ia progressivamente ganhando. Muitas dessas pessoas pretendiam se candidatar.
Dentro do movimento, havia divergência sobre a participação desses militantes filiados a partidos. Alguns não se importavam que eles participassem das decisões do coletivo. Eu era um dos que não gostava e procurava confrontá-los sempre que possível. Isso gerou um clima de rivalidade dentro do movimento, que já era prenúncio de golpes que viriam na sequência.
Muitos desses militantes filiados acabaram se passando por líderes do nosso coletivo quando perguntados pela imprensa local. No dia do protesto final, um desses militantes se passou por líder do coletivo para ir apertar a mão do prefeito quando esse decidiu decretar a revogação do preço da passagem. O coletivo sofreu um golpe político e eu sofri um golpe ideológico.
Até então, eu acreditava que o homem de esquerda deveria ser aquele capaz de colocar o coletivo acima do indivíduo. Anos mais tarde eu entendi, finalmente, que isso era impossível e que se colocar, como indivíduo, acima do coletivo, era completamente normal. Belo e moral. Mas foi ver a atitude desse homem de esquerda, na prática, que começou a me transformar.
Mesmo quando eu era de esquerda, detestava o PT, Lula e seus cupinchas. Aqui no Interferência Urbana chegamos a produzir tirinhas criticando essas figuras. Mas em 2014, acabei votando na Dilma Rousseff por falta de opção. Voto que me arrependi amargamente de ter dado e não é preciso entrar em detalhes para entender o porquê do arrependimento. Meu esquerdismo começava a ficar bastante abalado e eu estava começando a dar ouvido para ideias que vinham do outro lado.
Nessa época, um dos youtubers que mais fazia sucesso falando de política era o jornalista Dâniel Fraga. Uma figura extremamente combativa que pude conhecer pessoalmente em uma manifestação na Avenida Paulista. Cheguei até a dar entrevista para o sujeito, cujo trecho fez parte de algum vídeo que ele compilou de momentos dessa manifestação. Eu não concordava com muita coisa do que ele dizia, particularmente pela visão de mundo que ele começava a desenvolver: o tal do Anarcocapitalismo.
Nunca gostei da ideia de Estado. Quando eu era de esquerda, sempre tive tendências anarquistas, por achar que o comunismo era um processo muito lento e que eu não tinha tempo hábil de vida para mudanças graduais. Queria liberdade pra ontem e o Estado sempre foi um enxerido querendo cagar regra na vida das pessoas. Nisso acho que eu e o Fraga sempre concordamos, mas eu achava que a ideia de capitalismo e anarquia eram completamente incompatíveis por pertencerem a dois opostos no espectro político. Achava engraçado o termo Anarcocapitalismo.
“Imposto é roubo”. Tá aí uma frase que acho que ninguém é capaz de se colocar contra. Há alguns meses atrás, fiz um post no Facebook oferecendo R$ 1000,00 para quem conseguisse me convencer que imposto não é roubo. Assim como eu não conseguia contra-argumentar isso quando o Fraga dizia, ninguém ganhou os meus R$ 1000,00 oferecidos até hoje. Se você quiser tentar ganhar essa grana, clique aqui e procure o post. Boa sorte!
Quanto mais o tempo passava, mais eu ia me decepcionando com a esquerda e mais eu ia vendo o quanto o discurso do Fraga fazia sentido, o quanto o Estado era incapaz de prover serviços de qualidade e de gastar o dinheiro dos impostos de maneira minimamente eficiente. Fazendo vídeos altamente críticos e sem o menor pudor, Dâniel Fraga começou a incomodar os agentes do Estado e sofreu retaliações por meio de processos judiciais. Em alguns ele foi absolvido, em outros, condenado. Mas no final das contas, ele não pagou nenhuma multa que foi condenado a pagar. O Estado também não conseguiu penhorar nenhum bem do Fraga porque toda a riqueza que ele tinha estava em um lugar onde o Estado não tem controle: uma carteira de Bitcoin, fato que provavelmente fez o Fraga enriquecer muito, porque ele foi um entusiasta da mais popular criptomoeda do mundo mesmo antes do seu valor explodir e se multiplicar muitas vezes.
A verdade é que o Dâniel Fraga me convenceu de suas posições e, pouco tempo depois, sumiu sem deixar rastros. Hoje, o ex-youtuber é tido como uma lenda na comunidade Anarcocapitalista. Comunidade essa que ele influenciou em muito no crescimento e que hoje tem uma representatividade relevante, principalmente entre os jovens.
Depois disso, ainda levei um tempo para digerir muitas das discussões que rolam no meio Anarcocapitalista/Libertário. Uma nova literatura se abriu e novas discussões filosóficas me foram apresentadas. Autores como Mises, Rothbard, Ayn Rand, Rayek, Hans-Hermann Hoppe e David Friedman versam sobre ética, praxeologia, epistemologia e muitas outras áreas dentro do direito, economia e da filosofia. O velho Denis esquerdista tinha mesmo ficado para trás.
Na madrugada de hoje, o Inteferência Urbana se transformou numa espécie de máquina do tempo onde pude reencontrar esse velho Denis de quem hoje tenho vergonha de ver como se expressava e que ideias cozinhava na cachola. Mas começo a ter orgulho dele por ter tido coragem de viver e de expandir os seus horizontes para estar aqui hoje, e de ter visto muitas pessoas lhe virarem as costas por ter tido coragem de mudar e de assumir as suas mudanças. Não pretendo apagar nada que eu tenha feito nem mudar nenhuma linha sequer que eu tenha escrito. Sou experiência viva, uma experiência aberta para qualquer um que se interesse em consultá-la. Talvez, amanhã, eu volte aqui tendo vergonha do eu de hoje, e tudo bem. Essa é a sensação de alguém que foi a frente e reconhece que algo melhorou com o passar dos anos.
Pretendo voltar a escrever aqui para o Interferência Urbana e pretendo começar um canal no Youtube. Não vou contar nada agora, mas pretendo fazer o blog e o canal funcionarem em conjunto. Então, fique ligado e… envelheçamos!